Profecias e revelações particulares: atitude correta diante delas: equilíbrio, cautela e abertura de alma
Beata Ana Maria Taigi |
O
demônio – pai da mentira – como um moedeiro que normalmente só
falsifica moedas de ouro e prata, já tem enganado muita gente mediante
falsas aparições. Tornou-se, pois, mais do que nunca necessário saber
discernir entre as falsas e as verdadeiras.
O
fiel vigilante e bem instruído pode evitar a queda nas armadilhas do
demônio, bem como aproveitar os auxílios especiais que a Providência
proporciona à humanidade através das autênticas manifestações
sobrenaturais.
* * *
Há
muitas recentes aparições e revelações particulares atribuídas à
Santissima Virgem, Santos, anjos e fenômenos supostamente sobrenaturais
em diversas regiões do Brasil, bem como no Exterior.
Alguns leitores receberam impressos com mensagens que Nossa Senhora teria transmitido a videntes contendo supostas profecias.
O que pensar de tudo isso? –perguntam-nos eles.
Como
discernir as revelações autênticas das falsas, evitando as ciladas que o
demônio, pai da mentira, pode preparar nesta matéria?
Qual o papel das revelações particulares na vida da Igreja, inclusive as que contêm profecias?
Qual o grau de assentimento que o católico lhes pode dar?
São João Bosco |
Numa palavra, o que ensina a Igreja a esse respeito?
A revista “Catolicismo” publicou há já alguns anos matéria muito esclarecedora.
Digamos
desde logo que não vamos ser exaustivos em matéria tão vasta,
limitando-nos a reproduzir neste artigo alguns comentários e observações
de conceituados autores e especialistas (1).
Obviamente,
tampouco nos pronunciaremos sobre a autenticidade dos casos recentes,
no Brasil ou no estrangeiro, de presumíveis revelações e outros
fenômenos místicos extraordinários.
Com
efeito, essa matéria é da alçada das autoridades eclesiásticas
competentes, as quais muitas vezes demoram anos em se manifestar, após
exaustivas investigações para verificar a autenticidade das revelações
em questão (2).
Origem de grandes devoções
Ao
longo da História da Igreja, as revelações autênticas, e outros
fenômenos místicos extraordinários, têm sido fonte e alimento de grandes
movimentos de piedade.
O Dictionnaire de Spiritualité lembra que “poderosos
movimentos de piedade se viram desencadeados ou alimentados por
revelações particulares de uma vasta repercussão eclesial”. E cita como exemplo as devoções ao Sagrado Coração de Jesus e à Nossa Senhora.
São João Evangelista |
Essas devoções alcançaram uma expressão histórica e um impulso “que certamente não teriam tido”
sem as revelações de Santa Margarida Maria Alacoque sobre o Sagrado
Coração, e as grandes aparições mariais do século passado e deste
século, como Lourdes e Fátima.
A mencionada obra qualifica como “considerável” a influência dessas revelações na vida da Igreja. E acrescenta que “o valor delas aparece confirmado”
pelo fato de que conduzem os fiéis à fé, à oração, aos sacramentos,
especialmente à Eucaristia, como se pode observar nos lugares de grandes
aparições mariais (3).
Escapulário do Carmo, Medalha Milagrosa
Além
de ser fonte e alimento de devoções como as do Sagrado Coração, e de
Nossa Senhora sob as invocações de Lourdes e Fátima, outras revelações
têm estado na raíz de magníficas devoções como o escapulário carmelita e
a Medalha Milagrosa.
É o que lembra o Cônego Auguste Saudreau, que numa de suas obras faz uma exposição sintética, mas muito densa, de “algumas revelações que produziram maravilhosos frutos na Igreja”.
Afirma
ele: “A devoção ao escapulário do Monte Carmelo, que foi para um tão
grande número de almas um meio de salvação e do qual numerosos milagres
demonstraram a maravilhosa eficácia, tem por origem a revelação feita a
São Simão Stock. O mesmo se deu quanto à devoção ao escapulário da
Imaculada Conceição, ao da Paixão, à Medalha Milagrosa”.
E
com admiração e entusiasmo se refere a tais revelações suscitadas pela
Providência: “Quantas graças de proteção, de conversão, de progresso na
piedade se devem a tais práticas, que tiveram como ponto de partida
revelações!” (4).
Importante para a edificação dos fiéis
São Luís Maria Grignon de Montfort, estátua na basílica vaticana |
Diante
de tantos frutos de devoção, não estranha que o Pe. J.-H. Nicolas OP
afirme que as revelações autênticas provocam no povo cristão “um choque salutar”, e que por isso devem ser consideradas como “providenciais” (5).
O
conceituado Pe. Augustin Poulain SJ -- especialista no tema da mística,
e ele próprio um místico -- assevera de seu lado que as revelações
particulares autênticas são “muito úteis”:
“É claro que as revelações ou visões que são de origem divina estão isentas de perigo e são muito úteis, pois a graça só age para nosso bem, e quando é de ordem tão extraordinária, não pode ser destinada a um bem que seja medíocre” (6).
O
Pe. Arintero OP constata que as revelações privadas são “utilíssimas
para a edificação dos fiéis, e mesmo de toda a Santa Igreja” (7).
O
Pe. Iturrioz SJ acrescenta que as “intervenções sobrenaturais” refletem
“a providência e, por assim dizer, a política sapientíssima de Deus”
(8).
E
o teólogo francês Pe. Forget afirma que as aparições, “longe de serem
inúteis ou indignas de Deus”, “elas apresentam grandes vantagens”,
“testemunham a bondade do Criador”, e “são para o homem um dos meios de
conhecer seguramente a religião revelada” (9).
Santo Padre Pio de Pietrelcina. Corpo incorrupto.
Utilíssimas em períodos críticos da História da Igreja
|
Vimos como as revelações particulares e profecias têm sido convenientes e utilíssimas para a salvação das almas, produzindo grandes movimentos de piedade. Possivelmente, em artigos posteriores poderemos mostrar como elas têm sido muito úteis e benéficas sob outros aspectos, como orientar os fiéis a atravessarem períodos históricos críticos.
Ademais
estão na origem de grande número de fundações religiosas, e até tiveram
uma influência salutar na explicitação do dogma contido nas verdades
reveladas.
Eventualmente
poder-se-ão reproduzir revelações e profecias de Santos e
bem-aventurados -- alguns deles tendo vivido em períodos relativamente
recentes -- que servem, por exemplo, para compreender a enorme crise
pela qual atravessa a Cristandade.
Alcance da aprovação da Igreja
As
revelações e outros fenômenos místicos extraordinários, acima aludidos,
receberam a aprovação da Igreja após longas e exaustivas investigações.
Qual
o significado dessa aprovação? Explica o ilustre teólogo espanhol Pe.
Antonio Royo Marín OP: “Quando a Igreja aprova uma revelação privada,
não tenciona garantir sua autenticidade; declara simplesmente que nada
contém que seja contrário à Sagrada Escritura e à doutrina católica e
que se possa propor como provável à piedosa crença dos fiéis”.
Mas,
de outro lado, o mencionado teólogo adverte que “seria muito
repreensível contradizê-las ou pô-las em ridículo depois da aprovação da
Igreja” (10).
São Pio V e a visão da vitória de Lepanto, Lyon |
O
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, baseado também em conceituados
autores, explica que “tendo se encerrado com a morte do último Apóstolo o
ciclo das revelações oficiais, as revelações de Fátima, como as de
Lourdes e tantas outras, se incluem definidamente na categoria das
revelações privadas”.
E
que, portanto, “se às primeiras o católico deve dar assentimento sob
pena de pecar contra a Fé, às últimas ele pode livremente dar ou recusar
crédito, segundo seu prudente critério” (11).
Lembra
o Pe. Tanquerey a “prudente reserva da Igreja e dos Santos” ao examinar
a autenticidade das revelações privadas, e acrescenta:
“A Igreja não admite revelações senão quando são bem e devidamente verificadas e, ainda então, não as impõe à crença dos fiéis. Além disso, quando se trata da instituição de uma festa ou de alguma fundação exterior, espera longos anos antes de se pronunciar, e não se decide senão depois de haver examinado maduramente a coisa em si mesma e nas suas relações com o Dogma e a Liturgia” (12).
Os critérios da Igreja
Como
é que a Igreja faz esse maduro exame a que se refere esse destacado
teólogo? Quais as regras de discernimento? É o que veremos,
resumidamente, a seguir.
A algum leitor as normas abaixo poderão parecer demasiado árduas, exigentes e até excessivas.
Mas
lembre, caro leitor, que por esse sapiencial crivo passaram Santa
Bernardette, vidente de Lourdes, os pastorinhos de Fátima e tantos
Santos e bem-aventurados que receberam revelações divinas, tiveram o dom
da profecia, etc.
Mas
isso não é excessivo; na realidade indica a seriedade com que a Igreja
procede nesse terreno, assim como uma mãe terrena verifica a fidelidade e
a veracidade de um filho para melhor cumulá-lo de maternal afeto e
benquerença. E tudo isto redunda, em suma, na maior glória de Deus, no
bem da Igreja e no incremento da saúde espiritual dos fiéis.
Quanto
à pessoa -- O Pe. Tanquerey explica que as regras de discernimento
sobre a autenticidade das revelações dizem respeito, em primeiro lugar, à
pessoa que afirma receber revelações.
Deve-se
estudar suas qualidades naturais: se possui equilíbrio psicológico, bom
senso, juízo reto, sinceridade, ou se tem uma imaginação exaltada, a
saúde debilitada por doença, tendência a amplificar a verdade ou até a
inventar, etc.
São Domingos de Gusmão recebeu o terço de Nossa Senhora |
E
as sobrenaturais: se é dotada de virtude sólida, de humildade sincera,
se dá a conhecer as revelações a seu diretor espiritual, e segue os
conselhos com docilidade (13).
Quanto
ao conteúdo -- O mesmo autor aconselha prestar especialmente atenção na
matéria das revelações, para discernir se elas são ou não de origem
divina: “Toda revelação contrária à fé ou aos bons costumes deve ser
implacavelmente rejeitada, conforme a doutrina unânime dos Doutores,
fundada nestas palavras de São Paulo: 'Ainda que nós mesmos ou um
anjo descido do céu vos anunciasse outro Evangelho diverso daquele que
vos anunciamos, seja anátema' (Gal. 1, 8). É que, efetivamente, Deus não se pode contradizer, nem revelar coisas contrárias ao que nos ensina pela sua Igreja” (14).
Quanto
aos efeitos -- Por sua vez, o Pe. Antonio Royo Marin OP acrescenta que
“a principal regra de discernimento -- nisto como em tudo -- serão
sempre os efeitos que produzem na alma as pretensas revelações: 'A
árvore boa não pode dar frutos maus, nem a árvore má dar bons frutos'
(Mt 7, 18)” (15).
O
Pe. Tanquerey afirma a esse respeito: “As verdadeiras revelações
confirmam a alma nas virtudes da humildade, obediência, paciência,
conformidade com a vontade divina; as falsas geram orgulho, presunção,
desobediência”.
“O
contrario -- esclarece -- sucede nas visões diabólicas; se no princípio
causam alegria, bem depressa produzem perturbações, tristezas,
desalento; é por esse caminho, efetivamente, que o demônio faz cair as
almas” (16).
Evitar três erros
O
Pe. Adolfo de la Madre de Dios OCD (17) menciona três atitudes de alma
erradas, que devem ser evitadas pelos fiéis, em relação aos fenômenos
místicos extraordinários:
1)
a dos “colecionadores do maravilhoso, que de qualquer histérica trivial
que pretende receber mensagens divinas, tomarão suas notas e sua
informação gráfica, e pressurosos proclamarão que viram uma santa”;
2) a dos que assumem uma “atitude negativa” em relação às revelações, com medo de “serem tidos por crédulos”, se não tomarem essa atitude;
3)
a dos “que se valem dos progressos da ciência para combater tudo que
seja maravilhoso”, tentando desse modo desprestigiar as revelações
divinas.
Equilíbrio, cautela e abertura de alma
Santa Bernadette Soubirous, vidente de Lourdes. Corpo incorrupto em Nevers. |
O Pe. Adolfo condena estas três atitudes como “daninhas à religião e à fé”; e, em oposição a elas, apresenta a posição que considera correta: uma atitude “ao mesmo tempo de equilíbrio, de cautela e abertura de alma face às visões e revelações” (18).
O
conselho do Apóstolo São Paulo sintetiza eximiamente essa verdadeira
atitude em relação às revelações e outros fenômenos místicos
extraordinários como as profecias: “Não extingais o Espírito (Santo). Não desprezeis as profecias. Examinai tudo; retende o que for bom” (I Tes. 5, 19-21). Ou seja, é preciso evitar de pecar por demasiada credulidade como por ceticismo excessivo.
Aplicação às profecias do século XX
As
revelações e profecias de Nossa Senhora de Fátima em 1917, com sua
severa Mensagem de advertência sobre os males do mundo contemporâneo,
suscitaram, como era de esperar, antipatias e rejeições nos ambientes
comunistas e socialistas, e mesmo entre elementos da chamada esquerda católica.
Ainda
hoje, nesses meios, se procura desprestigiar de todos os modos essa
Mensagem. Sem embargo, o católico que acredita nas revelações de Fátima
está longe de poder ser acoimado de crédulo ou leviano, tão grande tem
sido o apreço manifestado pelos Romanos Pontífices, inclusive S.S. João
Paulo II, bem como por incontáveis Prelados do mundo inteiro, ao culto
de Nossa Senhora de Fátima (19).
O
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, grande devoto de Nossa Senhora de Fátima
e propagador de sua celestial Mensagem, afirmou que a Providência
suscitou grandes Santos para anunciar certas catástrofes ocorridas na
história da Cristandade: Santo Agostinho, São Vicente Ferrer, São Luís
Maria Grignion de Montfort...
Porém,
os tempos contemporâneos -- que parecem na iminência de um novo
castigo, de um grande perdão para os pecadores sinceramente arrependidos
e de triunfo dos mais gloriosos para a Santa Igreja -- têm um grande
privilégio: foi a própria Mãe de Deus que veio falar advertindo os
homens e prometendo sua vitória final!
__________________Notas:1) Eventualmente, em posteriores edições poderemos abordar outros aspectos de tão importante matéria.2) Cfr. José Ma. Navalpotro, Cómo distinguir cuándo es una aparición de la Virgen -- La Iglesia, prudente ante la proliferación de estos fenómenos”, “Palabra”, nº 361, Madri, 1-95 (36), pp. 60 ss.3) Dictionnaire de Spiritualité, verbete Révélations privées, Beauchesne, Paris, vol. XIII, col. 491.4) Cônego Auguste Saudreau, L'état mystique, sa nature, ses phases et les faits extraordinaires de la vie spirituelle, Paris, Charles Amat Ed./ Arras, Brunet Ed./ Angers, G. Grassin, Richou Frères, Ed., 2ª ed. 1921, capítulo “Avantages des Révélations privées”, itens “Faits historiques” e “Responsabilité de ceux qui dédaignent les révélations privées”, pp. 216 e ss. A essas belas páginas remetemos desde já -- a título exemplificativo -- o leitor interessado em aprofundar o tema.5) Pe. J.-H. Nicolas OP, Les révélations privées: La foi et les signes, VVS, t. 7, 15-5-53, p. 139; Dictionnaire de Spiritualité, verbete Révélations privées, vol. XIII, col. 491.6) Pe. Augustin Poulain, Des Grâces d'Oraison -- Traité de Théologie Mystique, Beauchesne, Paris, 1909, p. 337.7) Pe. Juan G. Arintero OP, La evolución mística, Madrid, BAC, 1952, pp. 678-679; Pe. Jordan Aumann, OP, La credibilidad de las revelaciones privadas, Teología Espiritual -- Revista cuatrimestral de los estudios generales dominicanos de España, nº 7, Valencia, vol. 3, 1/4-59, vol. III, p. 44.8) Pe. Daniel Iturrioz SJ, Revelaciones privadas, Estudios Eclesiásticos, nº 145, Madri, vol. 38, 4/6-63, p. 181.9) Pe. J. Forget, Dictionnaire de Théologie Catholique, verbete Apparitions, vol. I, 2ème partie, cols. 1691-1692.10) Pe. Antonio Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana, BAC, Madrid, 1958, p. 916.11) Plinio Corrêa de Oliveira, Guerreiros da Virgem -- A réplica da autenticidade, Editora Vera Cruz, São Paulo, 12-85, p. 167.12) Pe. Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, p. 722.13) Op. cit., idem, pp. 717-718.14) Op. cit., idem, p. 719.15) Pe. Antonio Royo Marin, OP, Teología de la Perfección Cristiana, pp. 823-824.16) Pe. Tanquerey, op. cit., idem, p. 720.17) O sacerdote carmelita se baseia na classificação do Dr. Alain Assailly sobre o homem moderno face ao “merveilleux”, na obra Medicine et Merveilleux, Paris, 1956, capítulo 2, “L'homme d'aujourd'hui face au problème du merveilleux”, pp. 49-69.18) Pe. Adolfo de la Madre de Dios OCD, Aportaciones de la psicología al problema de las visiones y revelaciones, revista “Salmanticensis”, Salamanca, 1958, vol. 5, p. 608.19) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Guerreiros da Virgem -- A réplica da autenticidade, Editora Vera Cruz, 12-85, pp. 167-169, onde o autor transcreve uma relação de manifestações de apôio da Santa Sé e de altos Prelados romanos à devoção a Nossa Senhora de Fátima.
Fonte: http://aparicaodelasalette.blogspot.com.br/